Entrevista com Ugo Vercillo
Coordenador Geral de Manejo para Conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o biólogo Ugo Vercillo falou ao Ecodata Informa sobre as espécies da fauna do Cerrado que estão ameaçadas, como é definido o risco de extinção e o que o Instituto tem feito para proteger os animais que vivem no bioma.
Confira a entrevista.
Ecodata Informa: Como se define a ameaça e a extinção de uma espécie?
Ugo Vercillo: Considera-se que uma espécie está extinta quando é feita uma busca intensiva durante dez anos e não conseguimos encontrá-la. Identificamos uma espécie ameaçada de extinção quando, na natureza ou no cativeiro, existem condições e alterações em sua ocupação.
EI: Qual a metodologia utilizada para essas definições?
UV: Seguimos uma metodologia mundial estabelecida pela União Internacional de Conservação da Natureza (UICN). É um organismo que reúne vários atores ambientais da sociedade mundial. Participam governos, ONGs, pessoas físicas e jurídicas. A UICN é o único observador com direito a voz nos fóruns ligados ao meio ambiente da ONU (Organização das Nações Unidas). O Brasil já fez parte da UICN mas, em virtude de custos, parou. Agora o País está rediscutindo se volta ou não a participar.
EI: Como é avaliado o grau de ameaça das espécies?
UV: Dividimos em categorias.
As espécies extintas
Extinta – Uma espécie buscada por 10 anos e não encontrada.
Extinta na natureza – Espécie que existe apenas em cativeiro. No Brasil um exemplo é a Ararinha Azul.
Regionalmente extinta – Espécie que não existe mais em determinada região.
As espécies ameaçadas
Criticamente – Alto risco de extinção na natureza
Em perigo – Não está em condições críticas de extinção, mas corre um alto risco
Vulnerável – Risco de extinção em médio prazo
EI: E como está este diagnóstico entre as espécies do bioma Cerrado?
UV: Hoje a fauna mais ameaçada do Cerrado divide-se em 15 espécies, sendo 1 anfíbio, 4 aves, 4 invertebrados terrestres, 5 mamíferos e 1 peixe. O número total chega a 132 tipos de animais.
EI: Ao que podemos atribuir a ameaça de extinção das espécies nesse bioma?
UV: A situação das espécies do Cerrado que estão ameaçadas é um reflexo do crescimento agroindustrial na região, da plantação de soja, do gado. Com a expansão do agronegócio, houve uma grande redução das áreas nativas e, por isso, várias espécies tiveram uma queda significativa de suas populações e passaram a fazer parte da lista de espécies ameaçadas. O morceguinho do Cerrado é um exemplo.
EI: Como o morceguinho do Cerrado está sendo ameaçado?
UV: A mineração e a destruição das cavernas são as principais atividades que têm impactado diretamente nas populações da espécie. Já iniciamos algumas estratégias para conservação, ligadas ao conhecimento científico e ao trabalho de informar e conscientizar a população das regiões próximas.
EI: E qual o maior problema que o Cerrado enfrenta em relação a conservação da fauna?
UV: Evidentemente é a perda da mata nativa do cerrado. 90% das espécies ameaçadas de extinção são devidos às plantações, rodovias e pastos, que têm trazido alteração desse ambiente natural e, consenquetemente, o desaparecimento das espécies.
EI: Os empreendimentos implantados em áreas de Cerrado afetam as Unidades de Conservação? Como é o diálogo entre empreendedores e autoridades ambientais?
UV: Todo empreendimento que afeta um lugar de conservação requer uma autorização do órgão que fiscaliza o meio ambiente. Hoje no Cerrado, 30 UCs são afetadas por empreendimentos, ou seja, ficam dentro ou próximo a uma Área de Proteção Ambiental (APA). Nestas UCs, já foram detectadas 76 espécies ameaçadas e 44 já têm planos de ação.
Quando a situação chega até nós, propomos medidas para manter os atributos daquela região como está. Eu acredito que é possível sim ter empreendimentos e ao mesmo tempo conservar o bioma. Um exemplo é o Parque Nacional de Brasília, a Água Mineral, onde existem áreas de proteção e ao mesmo tempo área de lazer para a população.
EI: O que tem sido feito para minimizar os riscos sofridos pela fauna do Cerrado?
UV: O ICMBio possui várias estratégias, a principal é estabelecer áreas protegidas e corredores para conectividade dessas áreas. São 48 Unidades de Conservação no Cerrado que abrigam 41 espécies ameaçadas. Temos evoluído nas pesquisas e nos planos de ação e, junto ao Ministério do Meio Ambiente, estamos definindo um novo horizonte para o Cerrado. Queremos aliar os planos à busca de interlocução com o setor de desenvolvimento, recomendar práticas paliativas para os empreendimentos. O objetivo não é reduzir o crescimento ou inibi-lo, queremos otimizar , verificar onde melhor pode-se desenvolver e ao mesmo tempo proteger as áreas importantes para o bioma.
Ugo Vercillo deixa um recado…
O Brasil é o país nº 1 em biodiversidade e proteger todo esse patrimônio e riqueza é complicado. Temos que trabalhar o desenvolvimento socioeconômico atrelado à preservação e proteção das espécies.
Precisamos propor cenários onde possamos atuar de forma mais clara e pontual, mais robusta, com ações locais e não ações genéricas. Este trabalho só funciona se puder contar com o engajamento de todos os setores. Não basta só o governo e o ICMBio, é necessário que outros entes federativos e a sociedade civil estejam envolvidos, que encarem também esse desafio!