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Ambientalistas e chefes de estado do mundo inteiro estarão reunidos no Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O encontro é uma oportunidade para defender o desenvolvimento sustentável no Cerrado, propor novos caminhos, discutir soluções que apontam para sua melhor utilização e conservação, e expor à toda sociedade as condições atuais do segundo maior bioma brasileiro.

Para nortear o debate é necessário fazer uma contabilidade da atividade agropastoril no Cerrado. Começamos pelas opções de agricultura e pecuária de mercado, que estão concentradas em poucas culturas. Soma-se a esse fator a dependência de fornecedores de equipamentos, insumos e tecnologias que, por virem de outras regiões do país, não agregam riqueza aos povos do bioma. Dessa forma, ao utilizar uma máquina ou insumo, por exemplo, a economia do Cerrado transfere valores para outras regiões. Assim, muitas empresas produtoras geram riqueza no bioma, mas se apropriam dessa riqueza em outras localidades.

De maneira geral funciona assim: Planta-se o que vem de fora. É introduzido o que vem de fora. E colhe-se o que é levado pra fora. A maior parte da geração dos produtos que utiliza o Cerrado como substrato de plantio é destinada à exportação e não ao bem estar das famílias que fornecem, praticamente, só a mão-de-obra. O retorno social e econômico que fica na região é muito pouco.

É preciso termos políticas diferenciadas voltadas aos interesses da sociedade enquanto moradora vinculada à este ambiente.  Então, quando vislumbramos no Cerrado todo um potencial econômico, ele é como um falso potencial econômico, pois não está associado, em grande parte, ao fortalecimento das instituições na própria região. No fim, o Cerrado é apenas um prestador de serviço, um grande fornecedor de mão-de-obra para as áreas industrializadas do Sudeste, da Mata Atlântica e do Litoral brasileiro. Ou seja, o que resta ao Cerrado é a parte mais desqualificada de todo o processo: a mão-de-obra.

Há um preconceito maléfico contra o Cerrado. Não é um preconceito de desconhecimento, e sim de orientação, destruição, do imediatismo e da falta de racionalidade do uso.  A vegetação nativa natural do bioma está praticamente extinta. Hoje temos alguns remanescentes, porém alterados: 95% do que resta foi modificado pela pecuária, pelo desmatamento seletivo e pelo desequilíbrio ambiental originário das próprias remanescentes que já foram destruídas. Então, podemos observar que o Cerrado encontra-se hoje em um desequilíbrio muito grande. É preciso compreender que é possível, a partir da grande biodiversidade do bioma, utilizá-lo como fonte de geração de riqueza e novas oportunidades.

O Cerrado possui uma biodiversidade incrível, são mais de 12.500 espécies nativas e cerca de 40% delas endêmicas, ou seja, existentes apenas neste bioma. O aproveitamento correto dessas plantas, com suas potencialidades medicinais, artesanais e gastronômicas é um dos fatores fundamentais para melhorar a qualidade de vida das pessoas que nele habitam. O que falta é a capacitação para o uso correto da vegetação nativa e assim, perceber que é possível gerar riqueza e possibilidades conservando o Cerrado.

Nesse sentido, é preciso fazer a contabilidade socioambiental e econômica, uma conta que dê qualidade de vida aos produtores e valorização dos produtos gerados no Cerrado.

Donizete Tokarski é Engenheiro Agrônomo e preside o Conselho da Agência Brasileira de Meio Ambiente e Tecnologia da Informação (Ecodata). É membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e do Conselho Estadual do Meio Ambiente de Goiás (CEMAm).

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As principais diretrizes que norteiam as questões ambientais no Brasil são três pilares do direito ambiental: a Constituição Federal, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e o Código Florestal. O bioma Cerrado não está na Constituição. Na Política Nacional há uma série de padrões e mecanismos de proteção ao meio ambiente, mas o Cerrado só está realmente protegido pelo Código Florestal, que agora está em profunda alteração.

Se considerarmos os principais biomas, o Cerrado é o que mais vai sofrer com as mudanças no Código Florestal. As novas propostas estão ligadas, principalmente, com as questões que envolvem as Reservas Legais e as Áreas de Proteção Permanente (APPs). Hoje não há nenhum mecanismo, nenhum instrumento fora o que está no Código Florestal, para que o Cerrado seja protegido. A situação é inversa a da Amazônia: A floresta tem 80% de área preservada em Reserva Legal e 20% disponível para as demais práticas. No Cerrado temos 80% de área liberada para as demais práticas e 20% para proteção, como é o caso das reservas legais.

Então quando falamos na criação do Código Florestal, que é um código de 1934, alterado em 1965 e que depois obteve algumas medidas provisórias, o foco do país era na Amazônia. Tão certo isso que a fronteira do país na questão do bioma Cerrado foi para o desenvolvimento da agropecuária com força total. Houve alteração na utilização do solo e hoje temos um bioma de 204 milhões de hectares onde a metade disso já foi tomada principalmente pela agricultura e pastagem.

Com o “novo” Código Florestal querem anistiar os que desmataram até 2008. Se hoje tivéssemos no Cerrado os 20% de Reserva Legal protegidos e as medidas estabelecidas para as APPs também protegidas, teríamos uma situação favorável, mas não temos isso. O que se tem é uma situação caótica para o bioma. Pensando em termos de área, o Cerrado não tem 3% de todo o percentual protegido em Unidades de Conservação de Proteção Integral. O desmatamento do bioma é muito alto, três vezes maior que a Amazônia, o que comprometerá todos aqueles que vivem nesta região nos próximos 20 anos.

É muito importante começarmos a trabalhar tecnologias diferenciadas para a área de uso alternativo do solo do Cerrado. Hoje utilizamos essa área que não é nem Reserva Legal e nem APP, para a pastagem e o agronegócio, para o plantio de soja e milho, por exemplo. Acredito que já passamos da hora de utilizar a pesquisa para trabalhar com as espécies nativas do Cerrado. É preciso atuar nas áreas de uso alternativo e não só no enriquecimento de uma reserva legal, mas com plantios consorciados das principais espécies que hoje estão no mercado como o Baru, o Pequi, a Mangaba, a Cagaita e o Araticum, e tantas outras, para que possamos verificar o potencial produtivo dessas espécies em seu ambiente nativo. Além disso, todos aqueles que conservam áreas além da estabelecida pela legislação, devem ser premiados, pela prestação de serviços ambientais.

Mas para que isso aconteça, é necessário uma Legislação para o Bioma e os investimentos nos planos de manejos e créditos diferenciados para estas atividades. Desconheço a utilização de Planos de Manejo para Reservas Legais que funcionam no Cerrado, para explorar o extrativismo. Na Amazônia existem Planos de Manejo e Extrativismo Sustentável. Os Planos de Manejo indicam o que pode ser feito dentro da Reserva Legal, o que e como poderá ser utilizado, plantado e retirado. No Cerrado isso ainda é irrisório.

Se a nova proposta do Código Florestal for aprovada, teremos anistia para as pessoas que desmataram. Isso é um retrocesso. Como criar uma Lei ou fazer a modificação de uma Lei para que ela retroceda, que seja menos restritiva? Em 2012, vamos pegar o Código de 1965 e reduzir áreas para permitir mais desmatamento? Isso não é um Código, é uma descaracterização do Código Florestal. A Lei nos assegura que façamos parte de um meio ecologicamente equilibrado. Com a mudança, o Cerrado sofre alterações negativas nas Reservas Legais, impacto direto nos recursos hídricos e na redução de áreas de preservação permanente. Teremos um aumento impressionante no desmatamento e isso é muito preocupante. É um verdadeiro retrocesso para a legislação do País.

Elisa Maria Meirelles é Engenheira Florestal e Gerente de projetos da Agência Brasileira de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Ecodata.

A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, será realizada de 20 a 22 de junho deste ano, no Rio de Janeiro, comemorando os 20 anos da realização do Eco-92, também realizada na cidade, em 1992.

O evento tem como foco a avaliação dos compromissos assumidos pelos Estados membros da ONU com relação ao Desenvolvimento Sustentável e a Economia Verde. Os critérios são determinados de acordo com as recomendações e princípios definidos pela Conferência das Nações Unidas para o Comercio e Desenvolvimento (UNCTAD), sob a denominação de BIOCOMERCIO.

Os países sul-americanos andinos (Peru, Bolívia, Equador e Chile) vêm trabalhando neste tema com as fortes alianças dos Atores Locais, Organizações Não Governamentais, Instituições Financeiras Privadas e o apoio fundamental dos Governos. Nestes países, os programas de governo, caracterizados como “Políticas Públicas”, estão produzindo os bons resultados, principalmente como meios de combate à miséria e à pobreza nas áreas de vulnerabilidade eminente.

No Brasil, o BIOCOMÉRCIO é denominado “AGROEXTRATIVISMO”. Impulsionado por Organizações Não Governamentais e tímido apoio oficial, ele está despertando interesse principalmente no Bioma Cerrado, com experiências muito positivas.

Transcrevo a seguir, parte de uma publicação da ONU, datada de 2007, onde constam os Princípios e Critérios definidos pela UNCTAD para a implementação do BIOCOMERCIO dentro do conceito de ECONOMIA VERDE:

 O que é Biocomercio?

O término BIOCOMERCIO é entendido como aquelas atividades de coleta, produção, transformação e comercialização de bens e serviços derivados da biodiversidade nativa (recursos genéticos, espécies e ecossistemas) que envolvem práticas de conservação e uso sustentável e que são gerados com critérios de sustentabilidade ambiental, social e econômica

Princípios e critérios do Biocomercio

Os Princípios e Critérios do BIOCOMERCIO estão assentados em função dos seguintes enfoques:

A) Enfoque da Cadeia de Valor: É mecanismos para facilitar a articulação entre os atores de uma cadeia produtiva, a utilização de boas práticas de uso sustentável e a conservação da biodiversidade, a distribuição equitativa dos benefícios ambientais, sociais e econômicos entre os participantes da cadeia.
B) Enfoque de Manejo Adaptativo (Gestão Adaptável): É a contribuição à implementação de práticas sustentáveis, identificação de impactos sobre espécies e ecossistemas e o melhoramento contínuo das práticas produtivas e manejo.
C) Ecossistêmico: Objetiva o cumprimento das responsabilidades sociais e ambientais de acordo com o impacto das espécies, os habitas, os ecossistemas e as comunidades locais.

Princípio 01 – Conservação da biodiversidade

– Manutenção das características dos ecossistemas e hábitat das espécies aproveitadas.
– Manutenção da variabilidade da Flora, Fauna e Micro-organismos (para uso e conservação).
– Manutenção do processo ecológico (qualidade do ar, água e solo).
– As atividades devem ter como base os planos de manejo, sejam em áreas protegidas ou não, em coordenação com autoridades e atores envolvidos.

Princípio 02 – Uso sustentável da biodiversidade

– A utilização da biodiversidade deve basear-se em um documento de gestão sustentável que inclua elementos como uma taxa de aproveitamento menor que a taxa de regeneração, sistemas de monitoramento (estado populacional) e índices de rendimento.
– O aproveitamento da agrobiodiversidade deve incluir práticas agrícolas que contribuam à conservação da biodiversidade.
– Cumprimento das normas técnicas para o desenvolvimento de iniciativas de serviços ambientais.
– Geração de informações e documentos das experiências das organizações como contribuição ao conhecimento da biodiversidade.

Princípio 0 3 – Distribuição justa e equitativa de benefícios derivados do uso da biodiersidade

– Interação e inclusão no rol de atividades de Biocomércio de maior quantidade possível da cadeia de valor.
– A geração de valor deve ter ao longo da cadeia, sob condições de transparência, fornecendo aos atores as informações dos valores agregados de produtos no mercado.
– Informação e conhecimento do mercado.

Princípio 04 – Sustentabilidade socioeconômica (de gestão produtiva, financeira e de mercado)

– Existência de potencial de mercado.
– Rentabilidade Financeira.
– Geração de emprego e melhoria de qualidade de vida.
– Prevenção de eventuais impactos ambientais sobre praticas produtivas e culturais locais que possam, por exemplo, afetar a diversificação e a segurança alimentar.
– Capacidade organizativa e de gestão.

Princípio 05 – Cumprimento da Legislação Nacional e Internacional

– Conhecimento e cumprimento da legislação nacional e local aplicável para o uso da biodiversidade e comercialização dos seus produtos e serviços derivados (Manejo da vida silvestre, legislação trabalhista, fitossanitária, comercial, estudo de impacto ambiental, etc.).
– Conhecimento da legislação internacional aplicável para o uso da biodiversidade e comercialização dos seus produtos e serviços derivados (Convenção sobre Diversidade Biológica, Convenção sobre o Comercio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora, Convenções sobre a Organização Internacional do Trabalho, Regras da Organização Mundial de Comercio, etc.).

Princípio 06 – Respeito aos atores envolvidos no Biocomercio

– Respeito aos Direitos Humanos gerias e de gênero.
– Respeito aos direitos de propriedade intelectual.
-Respeito às Comunidades Indígenas e aos povos indígenas (Território, Cultura, Conhecimento, Práticas).
– Manutenção e resgate dos conhecimentos e práticas tradicionais.
– Segurança e adequadas condições de trabalho.

Princípio 07- Clareza da posse da terra, o uso e acesso aos recursos naturais e o conhecimento

– Uso da terra de conformidade com as normas vigentes.
– O acesso aos recursos biológicos e genéticos para uso sustentável com consentimento prévio e com base em acordos pré estabelecidos.
– O acesso do conhecimento tradicional deve ocorrer com prévio consentimento e respeito de autoria dos possuidores do conhecimento.

Julio L. Ramírez é Engenheiro Agrônomo e Diretor Presidente da Agência Brasileira de Meio Ambiente e Tecnologia da Informação (Ecodata).

Entender a importância do debate para a criação de um Marco Regulatório para o Cerrado é essencial. Primeiramente, porque as mudanças que tangem a questão climática global exigem um espaço cada vez maior para a discussão de como colaborar para um planeta menos predatório e mais sustentável. Em segundo lugar, devemos lembrar que neste cenário, o bioma Cerrado, com toda a sua riqueza natural e biodiversidade, ainda não é considerado um patrimônio nacional.

Desde 1995, está no Congresso a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 115/95, que visa incluir o Cerrado e a Caatinga entre os biomas classificados como patrimônio nacional. À tramitação lenta atribuo a omissão do Congresso e a postura de algumas lideranças ruralistas, totalmente fora do tempo e dos problemas socioambientais. É preciso que reconheçam o valor do Cerrado e de seus produtos e não apenas se utilizem do seu solo sem planejamento, capacitação das comunidades e contabilidade sociais.

O segundo maior ecossistema brasileiro está se transformando em pastagem e plantação desordenada; hoje o desmatamento da vegetação nativa ultrapassa os 50%, cerca de 100 milhões de hectares, sendo mais de 60 milhões transformados em pasto. O Marco Regulatório do Cerrado pretende ordenar o uso dos remanescentes de Cerrado. Ele será composto por leis e diretrizes que irão normatizar as atividades que envolvem o bioma. E mesmo sem a aprovação da PEC 115/95 pelo Congresso Nacional, o Marco Regulatório será proposto pela Frente Parlamentar Ambientalista, pela Fundação SOS Mata Atlântica, pela Ecodata e outras instituições que certamente se somarão neste esforço.

O Marco busca ter ressonância na sociedade e no Congresso e pretende ser semelhante à Lei da Mata Atlântica, que visa conservar, proteger, regenerar e utilizar o bioma com base na lei proposta e na legislação ambiental vigente. Em linhas gerais, o Marco Regulatório do Cerrado deve tratar da relação de uso das áreas degradadas, da diversificação das atividades no Cerrado e da proteção ambiental.

O trabalho de elaboração de propostas para o Marco Regulatório que vai proteger e conservar o Cerrado está começando. O debate começou no mês de novembro, em Brasília, em dois seminários voltados especialmente para a questão – I Seminário sobre Economia Verde no Cerrado e III Seminário sobre Agroextrativismo no Cerrado.

 

Donizete Tokarski é Engenheiro Agrônomo e preside o Conselho da Agência Brasileira de Meio Ambiente e Tecnologia da Informação (Ecodata). É membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e do Conselho Estadual do Meio Ambiente de Goiás.